sábado, 14 de junho de 2008

O ônibus errado.

Ela pegou o ônibus errado. Saiu tão ansiosa e apressada, que ela – logo ela - tão correta e exigente consigo mesma, caiu nesta armadilha. Atrasou-se porque demorou demais para se arrumar; é certo que esperar uma mulher nesta tarefa tão difícil, que é se maquiar, se perfumar é um trabalho de paciência muito árduo, mas, sobretudo naquele dia, ela demorou demais.
Ela não me disse para onde pretendia ir com toda aquela produção – confesso que achei estranho – porque ela sempre fora prática demais. Nunca se encaixou nestes estereótipos, até mesmo achava um exagero que certas mulheres demorassem tanto para se aprontar. O que será que a levou a fugir do seu perfil?
O fato é que ela, ao pegar aquele ônibus errado, parou numa rua em que nunca havia estado antes. Desceu e andou pela rua a fim de pegar o ônibus certo, que a levasse de volta para casa, o lugar de onde não deveria ter saído, o seu mundo particular. Mas ao parar na esquina do ponto de ônibus, algo surpreendente a fez mudar de idéia. Passou por ali o Ricardo. Como podia ser? Logo o Ricardo a passar por ali, será que ele a notaria, trocaria umas palavras com ela, quem sabe até a convidaria para jantar?
Não, nada disto aconteceu. O Ricardo até que a viu parada ali, esperando um ônibus, mas não tinha porque ficar ali conversando com ela. Ela sempre fora fechada demais. Ricardo até chegou a pensar que ela nutria antipatia por ele, mas depois percebeu que não, ela era uma mulher introspectiva, que existia sem existir e que não fazia questão nem mesmo de ter alguém mais íntimo ao seu lado. Fazer o quê? Ele tinha mais o que fazer do que perder seu tempo ali.
E esta história continuaria assim, se ela não estivesse num dia realmente especial. Continuaria a nutrir um imenso amor por ele, mas sem a chance de concretizá-lo, porque possuía o dom em intimidar as pessoas que porventura ousassem se aproximar mais um pouco dela. Mas algo nela estava realmente diferente. Ela não estava agindo como de costume, ou quem sabe, estava sendo quem sempre desejou ser, tomando atitudes que a muito ansiava tomar.
Gritou o Ricardo. Este voltou assustado, estaria ela com algum problema? Não, problema algum, aquela era a noite da solução. Ela lhe contou que havia pegado o ônibus errado, mas que chegou à rua certa. Daí seguiu-se um diálogo breve e profundo. Não há como descrever a declaração de um coração apaixonado que há tanto tempo escondia o seu amor. O certo é que o Ricardo além de assustado estava também muito feliz. Estava cansado destas mulheres fúteis e enlatadas, todas com o mesmo conteúdo. Ela era diferente, ela tocou seu coração.
Saíram para uma pracinha próxima e dali foram pra um lugar que não me cabe aqui dizer onde. Aconteceu tudo espontaneamente, do jeito que estas coisas do coração devem ser. Horas depois ele a levou para casa e prometeu pra si mesmo que não desgrudaria mais dela. Eles trabalhavam juntos e ele não entendia como aquilo demorou tanto a acontecer.
Ela tirou a roupa, tomou um banho, deitou na cama... Dormiu maravilhosamente bem. Pela manhã, acordou e ficou na cama pensando na vida como era costume seu. Lembrou do que já havia conquistado e pensou nos seus planos para o futuro. Ela era uma mulher independente, materialmente não precisava mais de nada, era chefe num escritório de contabilidade, ajudava seus pais. Todavia, nada o que construiu até aquela noite teve o poder de deixá-la tão orgulhosa de si mesma.
Aquela história do ônibus errado não passou de mera ilusão. Ela saiu de casa determinada a pegar aquele Lapa II que chegava até a rua do Ricardo. Isto não passou de um artifício que usou para distrair a sua mente e driblar a sua excessiva timidez; a idéia de que chegaria até lá por mero acaso confortava as suas idéias. Foi necessário mentir para a sua razão, para finalmente, ouvir a voz da sua emoção. Na verdade, ela não encarnou nenhuma personagem para agir como agiu, ela simplesmente criou os meios para fazer o que sempre quis fazer.
Todos nós deveríamos fazer o mesmo algumas vezes em nossas vidas, todas as vezes que as nossas emoções se reprimissem por um motivo qualquer. Somente nós mesmos somos capazes de construir o caminho que nos levará ao nosso objetivo, seja ele qual for. E você? Será que também não está precisando pegar o ônibus errado?
Por Laura Oliveira.

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